Franz Kafka (1883-1924), um dos mais importantes escritores de língua alemã, completa 100 anos de sua morte em 2024, e sua obra mais célebre, “A Metamorfose”, continua a ressoar com uma potência incomparável na literatura mundial e brasileira. A novela, escrita em apenas 20 dias em 1912 e publicada em 1915, apresenta um dos inícios mais famosos da literatura moderna: “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.
A Trivialidade do Grotesco e o Absurdo da Existência
“A Metamorfose” não é apenas a história de um homem transformado em inseto; é uma alegoria densa que explora a condição humana, a alienação e os dramas psíquicos da sociedade moderna. A narrativa de Kafka é marcada por acontecimentos extraordinários tratados com uma aparente naturalidade. O que choca e causa estranhamento não é a metamorfose em si, mas a reação dos personagens a ela, como se fosse algo absolutamente normal — a “trivialidade do grotesco”, como descrito por Günther Anders.
A Metamorfose de Gregor: O protagonista, Gregor Samsa, é um caixeiro-viajante que detesta seu trabalho, mas o mantém para sustentar sua família e pagar uma dívida. Sua maior preocupação após a transformação é não perder o emprego e continuar provendo para a família. Essa preocupação “normal” diante de um evento tão bizarro contribui para a verossimilhança da novela.
O Absurdo e o Existencialismo: A obra é profundamente ligada ao pensamento existencialista e ao absurdo. O absurdismo, em suma, sugere que os esforços humanos para encontrar significado no universo fracassam, levando ao ceticismo sobre a própria existência. Kafka retrata a desesperança e a alienação do homem moderno, que vive em um mundo que não consegue compreender.
Consciência e Sofrimento: Apesar da nova forma, Gregor mantém sua consciência humana. Ele reflete sobre sua profissão cansativa e a vida que levava. A angústia e a indignação de Gregor, ao perceber sua existência inautêntica — moldada pelas expectativas dos outros — o levam a um estado de “náusea”.
As Metamorfoses da Família e da Casa
A transformação de Gregor desencadeia uma série de metamorfoses em sua família e no ambiente doméstico.
Dependência e Adaptação: A família Samsa, antes financeiramente dependente de Gregor, é forçada a encontrar novas formas de subsistência, com o pai voltando a trabalhar e a irmã, Grete, assumindo tarefas e um emprego como vendedora.
Isolamento e Desumanização: Gregor é confinado ao seu quarto, que gradualmente se transforma em um depósito de coisas inúteis e sujas. A irmã, inicialmente a única que cuida dele com esmero e prazer, com o tempo se sente sobrecarregada, e sua tarefa se torna “um trabalho muito pesado”. A família começa a tratá-lo cada vez mais como um animal, culminando na sugestão de Grete de que eles precisam “se livrar” dele, negando que a criatura ainda seja seu irmão.
A Maçã e a Morte: Um momento crucial é quando o pai, furioso com Gregor, o atinge com uma maçã que fica alojada em suas costas, causando um ferimento grave que o faz sofrer por mais de um mês. Gregor eventualmente morre de inanição, uma morte que ele parece aceitar como uma libertação, o “desaparecer” sendo “ainda mais decidido que a da irmã”.
O Estilo Kafkiano e Sua Influência no Brasil
O estilo de escrita de Kafka é preciso, com poucos floreios, dando um “tom de relato – quase burocrático” ao enredo. O termo “kafkiano” tornou-se sinônimo do fantástico, do incompreensível, da desesperança e do absurdo, especialmente como a burocracia se torna um instrumento opressor.
No Brasil, a obra de Kafka foi traduzida tardiamente. A primeira tradução conhecida foi do conto “Um artista do trapézio” em 1946. A difusão em larga escala só ocorreu nos anos 1960, com a publicação de obras fundamentais como “A Metamorfose” e “Um artista da fome”. As traduções brasileiras de Kafka só “ficaram boas a partir dos anos 1980”, muito graças ao trabalho de Modesto Carone, que “mudou o jeito como lemos Kafka”.
A influência de Kafka na literatura brasileira foi tão grande que autores como Carlos Drummond de Andrade e Graciliano Ramos brincavam com a ideia de que Kafka seria um “imitador de certos escritores brasileiros” ou que se produzia uma “literatura espírita” kafkiana no país. Especialistas concordam que toda uma geração de autores incorporou seu estilo desesperançoso e absurdo, e a maneira de retratar a burocracia opressora. Entre os influenciados, destacam-se Clarice Lispector, Murilo Rubião, José J. Veiga, Lygia Fagundes Telles e Moacyr Scliar, além do próprio Drummond de Andrade e Graciliano Ramos.
Durante a ditadura brasileira (1960s-1970s), Kafka se tornou uma espécie de “tradutor da realidade absurda instaurada pelos militares”, inspirando escritores que trabalhavam com o elemento fantástico ou a alegoria. Essa influência se estende até a contemporaneidade, com autores como Miguel Sanches Neto e Gildemar Pontes buscando “kafkiar” sua própria literatura.
Acessibilidade e Reconhecimento da Obra
“A Metamorfose” continua sendo uma obra de grande impacto e está amplamente disponível. Uma edição popular em português, publicada pela Editora Principis em 27 de setembro de 2019, possui 96 páginas e é classificada como o 1º mais vendido na categoria “Clássicos de Ficção” na Amazon Brasil, com uma avaliação de 4.7 de 5 estrelas baseada em mais de 7.300 avaliações de clientes. Leitores a descrevem como “boa literatura”, “surreal”, “envolvente”, e capaz de “cativar até terminar”. A obra é recomendada para maiores de 15 anos.
Kafka, que via a vida como um “malogro que persistia todo dia”, conseguiu, através de sua escrita, levantar questões profundas sobre a sociedade e a existência. Sua obra, que só veio a público após a desobediência de seu amigo Max Brod ao pedido de Kafka de queimar seus escritos, prova seu alcance e permanência na cultura literária.

Ficha técnica
Editora: Principis
Número de páginas: 96 páginas
ISBN-10: 8594318782
ISBN-13: 978-8594318787
Peso do produto: 180 g
Idade de leitura: Idade sugerida pelo cliente: 15 anos e acima
Dimensões: 22.8 x 15.6 x 1.2 cm
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