“Eva no tempo”, novo livro da mineira Cidinha Ribeiro, traz histĂłrias de mulheres oprimidas e resistentes desde a expulsĂŁo do ParaĂso
Escritora lança, aos 73 anos, seu primeiro livro Eva no tempo de prosa poética; obra då protagonismo para as indignaçÔes femininas num mundo machista
âEva carregou a culpa pela expulsĂŁo do
paraĂso. E nos deixou o legado.
O peso das expectativas.
O medo do julgamento.
A responsabilidade pelos limites.
Desde tempos imemoriais, as mulheres
sĂŁo guardiĂŁs, destinadas, restritas, inquebrantĂĄveis, maternais, cuidadoras, subestimadas.
Apagadas. TambĂ©m sĂŁo resistĂȘncia,â
Trecho do texto Todas as Mulheres do Mundo de Elaine Araujo
Brito no adendo de âEva no tempoâ
A escritora mineira Cidinha Ribeiro (@umasenhoraescritora) lança âEva no tempoâ (Boutique do Livro, 238 pĂĄg.), um compilado de pequenas histĂłrias protagonizadas por mulheres que revelam a opressĂŁo, o machismo e a misoginia perpetuados na sociedade desde que a primeira mulher criada por Deus foi expulsa do ParaĂso. A autora, de 73 anos, e que estreou hĂĄ menos de uma dĂ©cada no universo literĂĄrio, apresenta agora ao pĂșblico sua primeira experimentação em prosa poĂ©tica. Antes, dedicou-se a contos, crĂŽnicas e memĂłrias autobiogrĂĄficas.
Para Cidinha, todo livro escrito Ă© uma construção importante, um passo para o amadurecimento. âEscrever Ă© ato contĂnuo, nada Ă© desperdiçado, tudo Ă© agregadoâ, sentencia a autora, e segue: âEsse livro que lanço agora Ă© um conjunto de tudo que aprendi e um propĂłsito de continuidade no aprendizadoâ.
âEva no tempoâ Ă© dividido em trĂȘs partes, sendo a mais extensa a segunda, que dĂĄ tĂtulo Ă obra. Nela, o leitor Ă© apresentado Ă s histĂłrias das Evas. Em cada texto, elas ganham uma caracterĂstica especĂfica. HĂĄ a Eva iludida, a Eva perspicaz, a Eva esquisita, e assim por diante. SĂŁo 99 histĂłrias curtas com começo, meio e fim. Todas giram em torno da relação da mulher com os dissabores e eventuais deleites da vida feminina. A obra conta ainda com um adendo que traz escritos de outras autoras convidadas por Cidinha a discorrer sobre a mesma temĂĄtica.
Um dos mĂ©ritos de âEva no tempoâ Ă© apresentar ao leitor uma infinidade de histĂłrias sem repetir os relatos. Cada texto Ă© Ășnico, ainda que carregue experiĂȘncias compartilhadas. Essa Ă© outra potĂȘncia da obra. Para as leitoras, a obra poderĂĄ servir como um espelho em que se veem trechos da prĂłpria vida, provando que as mulheres sĂŁo submetidas a opressĂ”es e pressĂ”es semelhantes. Para os homens, a leitura do livro se mostra igualmente significativa porque exemplifica as indignaçÔes que permeiam o comportamento feminino.
Outra qualidade da obra Ă© discorrer sobre um tema que estĂĄ em pauta na sociedade e nĂŁo incorrer no erro de transformar um livro literĂĄrio em um material didĂĄtico raso e repleto de chavĂ”es e clichĂȘs. Cidinha emprega talento e sensibilidade no desenvolvimento das melhores ideias, com as mais ternas, e nem por isso menos impactantes, palavras. Cada histĂłria Ă© um desfile de inventividade atravessada pela crueza do retrato pintado pela escritora.
Ao final da obra, ao unir as vozes de outras escritoras Ă sua, a mineira pĂ”e em prĂĄtica o ato de resistĂȘncia pela uniĂŁo que parece convocar a cada texto e a cada Eva ferida que descreve. âNĂłs, mulheres, estamos no caminho certo porque somos mais solidĂĄrias, empĂĄticas e envolvidas com nossas prĂłprias questĂ”es e com as do coletivoâ, frisa Cidinha, e acrescenta: âExiste esperança porque ganhamos consciĂȘncia do nosso valor como pessoas e como agentes de transformaçãoâ.
Das cartas por encomenda a escrita por prazer
Cidinha Ribeiro nasceu em Itapecerica, interior de Minas Gerais, em 1950. Viveu no municĂpio atĂ© os 19 anos e depois mudou-se para Belo Horizonte, capital do estado, onde morou por mais de trĂȘs dĂ©cadas. Formou-se pedagoga pelo Instituto Estadual de Educação de Minas Gerais (IEMG), na dĂ©cada de 1980 e foi servidora pĂșblica estadual atĂ© se aposentar da função. Ă casada hĂĄ 54 anos, mĂŁe e avĂł. Atualmente mora na cidade natal.
A escrita surgiu na vida da mineira ainda na adolescĂȘncia. âNa Ă©poca, eu escrevia cartas de amor por encomenda para namorados alheios e fazia diĂĄriosâ, revela. A primeira publicação, no entanto, sĂł veio depois de algumas dĂ©cadas, em 2015, com o lançamento de âTricotando lembranças e costurando histĂłriasâ, obra de crĂŽnicas. Em 2017, publicou âRascunhosâ, livro de contos. Em seguida vieram âNo espelho das ĂĄguasâ, dedicado a memĂłrias autobiogrĂĄficas, e âO Sol deixa marcas no chĂŁoâ, com crĂŽnicas. A autora tambĂ©m participou de publicaçÔes coletivas, como as antologias âDiĂĄlogos da pandemiaâ, organizada por HelvĂ©cio Carlos, colunista do jornal Estado de Minas, e âDesobediĂȘncias miĂșdasâ, da Primavera Editorial, essa em parceria com o coletivo Escreviventes.
Cidinha se define como paisagista, artesĂŁ e escritora. Afirma que escreve por prazer e mantĂ©m-se atualizada por meio de cursos de escrita criativa. A mineira conta ainda que Ă© adepta da simplicidade na hora de pĂŽr as ideias no papel. A estrutura Ă© linear, sem grandes complicaçÔes e mudanças bruscas. O gosto Ă© por clareza e concisĂŁo. âSou tradicional, minha escrita Ă© leve, meu vocabulĂĄrio Ă© escolhidoâ, sentencia.
O livro âEva no tempoâ levou aproximadamente trĂȘs anos para ser finalizado. âDurante esse processo, tive oportunidade de ouvir muitas histĂłrias reais, de conversar com muitas mulheres sobre questĂ”es que dizem respeito a todas nĂłsâ, conta. Cidinha assume que o livro representa um passo importante na carreira. âEle me aproximou daquilo em que acredito, me inseriu de forma definitiva no feminismo consciente e ficou bonito, tem sido prazeroso olhar para eleâ.

Trecho do livro âEva no tempoâ, de Cidinha Ribeiro (pĂĄg. 93)
âEva invisĂvel apenas suspeita, e as perguntas se amontoam sem respostas:
Quem é essa que procura erros, decora falas, sofre por antecipação?
Quem é essa que se queixa do café frio, da carne salgada, das palavras erradas, dos potes trincados, do lençol mal passado?
Quem Ă© essa que carrega malas pesadas, escova o chĂŁo, perde o sono, acorda o dia,
come as sobras, guarda a roupa nova para amanhĂŁ?
Quem Ă© essa que nĂŁo tem sombra?
Eva invisĂvel nĂŁo diz, mas ela tambĂ©m
procura a respostaâ
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